As janelas estão sujas e a paisagem passa acelerada. O verde das árvores e dos campos, pincelado com as cores dos animais que neles pastam, com as casas e os barracos que, de vez em quando, lá aparecem. As linhas enferrujadas dos carris e o barulho da locomotiva são pano de fundo deste cenário.
Cá dentro, está quente. À minha frente duas senhoras com os seus sessenta e poucos anos falam das modernices que são as redes sociais nos dias de hoje. Mas têm o Facebook aberto e não param de comentar as publicações das amigas. Nos bancos ao lado, um casal trouxe a merenda e estendeu uma toalha de banho sobre as pernas, duas horas depois ainda não consegui perceber para que serve. Ao meu lado, um jovem que ainda não tirou os olhos da série que está a ver, colado ao telemóvel desde que eu me sentei. Atrás de mim, o choro esporádico de uma criança, deve ter a mesma vontade de chegar que eu. Não fossem as cinco espanholas sentadas mais lá atrás, que falam alto do restaurante que marcaram para o jantar e do que vão visitar nos próximos dias em Lisboa, até se pode dizer que está a ser uma viagem bem tranquila.
Pelas minhas contas, deixei de fazer esta viagem há quase sete anos. Seis horas de comboio semanais são bastante produtivas nos primeiros meses, mas rapidamente percebemos que “está tudo certo” se nos deixarmos dormir um bocadinho… e os bocadinhos transformam-se praticamente em viagens inteiras a dormir. As rotinas dão-nos segurança mas também nos tiram o entusiasmo de aproveitar as coisas como se fosse, lá está, a primeira vez que as fazemos.
Ao fundo, o sol já se põe. Mas isso não tranquiliza ninguém. A agitação aumenta de cada vez que o comboio para. E todos querem ser os primeiros a sair.
“Os primeiros”… a aparente certeza que nos incutem desde pequenos de que temos de ser os primeiros para termos um bom emprego, para ganharmos mais, para termos os melhores amigos, para vestirmos as melhores roupas, para publicarmos na internet as fotos das melhores viagens… Os primeiros, sempre mais e mais e mais.
Dizem que, se a vida nos der limões, devemos fazer limonada. Somos realmente “os primeiros” quando fazemos limonada ou sangria ou limoncello com os limões que esta vida nos dá. Somos “os primeiros” quando não nos contentamos com isso, saímos da nossa zona de conforto e, se for preciso, vamos à árvore buscar ainda mais limões. Somos “os primeiros” quando aprendemos a adoçar os limões desta vida… com tartes de limão por exemplo. Somos “os primeiros” quando nos habituamos até à acidez do limão e passamos a gostar. E somos também “os primeiros” se, num dia qualquer, nos fartarmos dos limões e formos atrás das laranjas, dos pêssegos e das maçãs. Das árvores todas, das saladas de fruta. Porra! Somos e seremos sempre “os primeiros” todas as vezes que corrermos atrás da felicidade. Em qualquer sítio, a fazer qualquer coisa, com qualquer fruta. Somos “os primeiros” da nossa vida.
Ponto.
Patrícia Silva