Morrer e nascer de novo

“Mas é preciso morrer e nascer de novo
semear no pó e voltar a colher
há que ser trigo, depois ser restolho
há que penar para aprender a viver.
E a vida não é existir sem mais nada
a vida não é dia sim, dia não
é feita em cada entrega alucinada
prá receber daquilo que aumenta o coração.”
Uma grande verdade e uma enorme lição de vida…

Conto de fadas

princesa
A vida era bem mais simples e bem melhor se fosse feita de contos de fadas e finais felizes. Se as coisas fossem assim sabíamos sempre que apesar de todos os momentos menos bons o final ia ser sempre feliz, pois está claro.
É verdade, todos os contos de fadas têm os bons e os maus. Mas no meu conto de fadas não existem os maus… bem, eles até aparecem de vez em quando… mas eu estou na equipa dos bons e, como é evidente, sou a protagonista, a estrela, a princesa, a rainha, a heroína… chamem-me o que quiserem, sou a maior de qualquer maneira. Vou facilitar as coisas, vou-vos contar um segredo ultra secreto… Estão preparados? Têm de prometer não contar a ninguém.
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No meu conto de fadas sou uma princesa heroína. Primeiro, sou princesa porque tenho um príncipe encantado que dá a vida por mim, tenho a certeza. Só ainda não me veio buscar de cavalo… nem me levou a viajar pelo Mundo todo. Ai o sacana, da próxima vez que estiver com ele já vai ouvir. Mas adiante… Uma das coisas de que mais gosto é poder acenar a toda a gente e toda a gente me sorri carinhosamente. Alguns até levam cartazes com o meu nome escrito… as pessoas gostam mesmo de princesas (ainda bem que sou uma). Segundo, sou uma heroína porque não acho piada nenhuma a essas princesas vaidosas que passam a vida a fazer compras, a maquilharem-se, no cabeleireiro e a passear com o príncipe (se bem que o meu anda a falhar, mas isso é uma conversinha que vou ter com ele mais tarde). Por isso mesmo, decidi que, para além de princesa, também queria ser heroína… E como eu é que mando também o sou! É porreiro, deviam experimentar! Já salvei muitas pessoas. Ah! E animais já me ia esquecendo. Mas tenho um pequeno problema… É que o meu livro ainda está no inicio, ainda tem poucas páginas e, poi isso, ainda não fiz tantos salvamentos quanto gostaria. Mas vou fazer, tenho a certeza.
No meio disto tudo há outro problema, mas este é grande.  Às vezes é mesmo difícil conciliar o tempo entre a minha vida de heroína e a de princesa. É uma canseira… Mas, como sou a protagonista, tenho de me desenrascar. Sim porque o papel principal desta história é meu, não posso (nem quero) esperar que alguém escreva as páginas do meu livro… quem escreve o meu conto de fadas sou eu. E sou eu que tiro as fotografias que marcam os grandes momentos da história, sou eu que escolho a melhor fotografia para a capa, sou eu que escrevo a sinopse e sou eu que me apresento. Ah! E sou eu que decido o número de páginas que o meu livro vai ter. É meu, e ponto.
Se calhar… fui um bocadinho agressiva ao dizer isto desta maneira. É claro que, ao longo da história, entram mais personagens e algumas têm um papel quase tão importante como o meu, quase! E essas pessoas influenciam-me e, muitas vezes, até sigo as suas opiniões. Mas, lá está… Sou eu que sei se quero ou não seguir aquilo que as pessoas me dizem. E o que isso tem de bom, tem de mau. Porque, como é tudo meu, as consequências dos meus atos também vão recair sobre mim.
Vou-vos contar outro segredo… Eu adoro ser uma princesa heroína, a sério que sim. Mas às vezes canso-me e dá-me vontade de deixar que outra pessoa escreva o conto por mim. Eu dava-lhe a caneta e essa pessoa (que tinha de saber escrever bem) tomava as decisões por mim. Às vezes é tão difícil saber qual o caminho a seguir. Eu sei eu sei… O final desta história vai ser feliz, são assim as histórias em que entram princesas… Mas há alturas em que me sinto tão triste e tão confusa que não consigo perceber (não consigo mesmo) como é que isto vai acabar bem.
Uma vez li um livro que não era de princesas. Já li muitos, aliás. Acho que existem cada vez menos livros de princesas… Porque será? Será que já ninguém acredita no amor e em contos de fadas? Mas adiante… Esse livro que não era de princesas contava a história de uma avó e de uma neta. Só me lembro de uma parte, já o li há muito tempo. Bem, a neta estava confusa e a avó disse-lhe que quando ela se sentisse perdida a melhor coisa a fazer era sentar-se, onde quisesse e por quanto tempo quisesse. O segredo era estar em silêncio… até ouvir a voz do coração e seguir aquilo que ele lhe dissesse. Eu cá acho que tenho de dar uns comprimidozinhos ao meu coração porque ou ele está afónico ou então não o tenho conseguido ouvir ultimamente.
Bem, como às vezes as princesas também precisam de uns conselhos. Vou seguir o que alguém escreveu nesse livro que li. Pode ser que essa pessoa até tenha razão. Vou-me sentar debaixo da maior árvore que tenho no meu enorme jardim. É a minha favorita, às vezes até parece que fala comigo (mas não pode, porque essa já era outra história, a da Pocahontas). Vou-me sentar e ficar lá quanto tempo me apetecer, não se esqueçam que a história é minha. Ou se calhar… vou ficar só até ao meu coração me falar. Espero que seja rápido…
Patrícia Silva

As coisas não são bem assim

O dia estava escuro. Há mais de quinze dias que as mesmas nuvens carregadas enchiam o céu e não davam a mínima hipótese de um único raio de sol as conseguir furar. Ela tinha a mesma rotina todos os dias. O mesmo acordar, angustiado e solitário. Vagueava pela casa como se já não tivesse alma, como se fosse só corpo e nada mais do que isso. E na verdade, desde que ele partira, ela não passava disso mesmo.
Há uns dias atrás… oh, há uns dias atrás ela era outra mulher! Os cabelos compridos reluziam, os pequenos olhos castanhos não paravam de brilhar, o sorriso constante contagiava toda a gente. Movia-se em passos acanhados e singelos, parecia tão frágil… Mas inexplicavelmente e ao mesmo tempo, parecia ter a força de um batalhão de homens e uma determinação que a todos fazia inveja. Tinha ar de criança: inocente e sempre tão sincera… Mas tinha coração de mulher: sabia o que queria e não deixava que nada se intrometesse no seu caminho, defendia-o com unhas e dentes (sim, a ele). Ah! E estava loucamente apaixonada, claro (grande parva). Amava sem medida… acreditava no “amor e uma cabana”, defendia com convicção a existência de almas gémeas que, quando se encontram, se unem num laço inquebrável. Sentia, do fundo do coração, que o podia amar para sempre.
AS COISAS
Grande erro. Grande erro acreditar em tantas palermices. Frases feitas, ideias feministas e idealistas que nos vão incutindo ao longo da vida e às quais nos agarramos para parecer, sim só parecer, que temos fortes convicções e que somos donas de nós próprias. Temos a mania que somos as maiores e podemos controlar o nosso destino. Mas as coisas não são bem assim…
E só não são bem assim, e estas ideias só são uma palermice, porque chega o dia em que, de repente e sem qualquer razão aparente, “alguém” (ele) se lembra de nos roubar o tapete. O tapete não, o chão todo. Leva-nos o chão, as paredes e o teto. Leva-nos a casa toda, leva aquilo que, até ali, nos fazia sentir seguras. E, como se não chegasse, leva-nos o sol e as cores do dia, os cheiros e a beleza das paisagens, os espelhos, as roupas e as maquilhagens que, noutros tempos, nos faziam sentir belas e indestrutíveis. Ficamos nuas, despidas de quaisquer certezas e sentimentos. Tornamo-nos seres irracionais e só pensamos numa única coisa: “como é que eu vou viver sem ele?”
E a depressão instala-se. Perdemos a vontade de sair da cama, de comer, de nos olharmos ao espelho. Não queremos ver ninguém, ouvir nada nem pôr um pé na rua. Somos só nós e a nossa depressão. Só a solidão é permitida. Choramos como nunca na vida. E quando achamos que os nossos olhos não conseguem produzir mais lágrimas… voilá, elas voltam e em abundância.
Desde o dia em que ele (aquele grande cobarde) nos rouba a vida, as nuvens carregadas insistem em não sair do céu e os nossos dias passam a ser uma rotina. Somos prisioneiras das rotinas que, inconscientemente, criamos para nós mesmas. Os dias são iguais às noites, os acordares iguais aos adormeceres.
A saudade é tramada, dói para caraças. Mas, pior do que isso, consegue-nos irritar profundamente e levar à loucura. “Não, já chega, estou farta de estar assim… vou-me recompor”. Pensamos isto a cada nova manhã, mas cai a noite e nada mudou. Não queremos e lutamos muito contra a dor da saudade. Porque, afinal, “ele não merece, vou mas é curtir”… Pois, mas lá está, as coisas não são bem assim.
Não são bem assim… não são bem assim até um dia. Porque (e nesta altura começamos a acreditar em novos “grandes ensinamentos” que insistem em nos passar) nada é para sempre. E se o amor não é (ou não pode ser) para sempre, a solidão também não. Era o que faltava!
AS COISAS
Chegou o dia, finalmente! Acordamos mais decididas do que nunca. Damos um pulo da cama e mesmo antes de corrermos para a banheira para tomarmos o “banho das nossas vidas”, vamos pela casa toda abrir todas as janelas. Queremos luz, queremos a brisa matinal e queremos, sobretudo, a vida que perdemos (um dia, lá longe). Vestimos a melhor roupa (que, por sinal, até nos fica muito melhor do que antes porque ao fim de tantos dias sem comer conseguimos perder uns quilinhos… afinal serviu para alguma coisa), calçamos os melhores sapatos (de salto alto, claro), escolhemos a carteira e os acessórios ao pormenor. Quem tem caracóis, estica o cabelo e quem tem o cabelo liso perde mais de uma hora a fazer uns belos de uns caracolitos. Se era preciso? Não, claro que não. Mas queremos mudança. Olhamo-nos ao espelho e vemo-nos de outra forma, com outros olhos. Mais mulheres, sofridas mas muito mais maduras. Agora sim “sou senhora do meu nariz e nunca mais caio numa como esta”, pensamos…
Saímos à rua (até que enfim). Vamos às compras e combinamos mil e um programas com os amigos e as amigas que ficaram esquecidos por uns tempos. Cozinhamos muito, mesmo que seja só para nós. Visitamos a família. Voltamos a ver a FOX e a AXN, as novelas da noite e os filmes mais pirosos e lamechas que andam por aí. Atualizamos o Facebook (sim, porque é de extrema importância passarmos de “numa relação” para “solteiro/a”), nunca se sabe. Inscrevemo-nos em cursos de auto-conhecimento e motivação, passamos a ir ao ginásio… No fundo, fazemos de tudo para mudar de vida. Nós mulheres somos muito simples, tudo o que queremos é uma vida nova. É pedir muito?
O tempo passa. E é claro que as coisas não são bem assim (perfeitas). Continuamos a chorar, pelo menos, uma vez por semana… à noite quando ninguém nos pode ver e a solidão ataca silenciosa e impiedosamente. Temos repentinas mudanças de humor. Combinamos coisas numa hora e, na hora a seguir, a nossa maior vontade é desmarcá-las, correr para o sofá, enrolarmo-nos numa manta a comer pipocas doces e a ver um filme lamechas onde o (filho da mãe do) amor sai sempre vencedor.
Uma das coisas que aprendemos com isto é que o tempo cura tudo. Toda a gente nos diz isso, mas… de quanto tempo é que estamos, afinal, a falar? O “tempo” podem ser uns dias, uns meses, uns anos… ou mesmo uma vida toda.
Para as mais sortudas, as coisas não são bem assim… Para as outras, as coisas são mesmo assim…
AS COISAS

Patrícia Silva